

Entre os dias 20 e 22 de agosto, Recife (PE) foi palco de um encontro potente que reuniu lideranças feministas, comunicadoras populares, militantes e ativistas de nove estados do Nordeste. A oficina Mulheres do Nordeste com a Boca no Mundo – Comunicação e Lutas por Direitos, realizada pela CESE no âmbito do Projeto Doar para Transformar, foi um espaço de aprendizado, troca e fortalecimento da comunicação como estratégia de resistência e incidência política. Durante três dias, mulheres de diferentes territórios compartilharam histórias, refletiram sobre os desafios da democratização da comunicação e experimentaram novas linguagens e ferramentas – do rádio às redes sociais, das memórias ancestrais às tecnologias digitais.
Desde o primeiro dia, as facilitadoras Carmem Silva, Fran Ribeiro e Lara Buitron, do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, apresentaram que comunicar é muito mais do que transmitir informações: é resistir, tornar comum as lutas e fazer ecoar as vozes que historicamente foram silenciadas – como as das mulheres. Para Vanessa Pugliese, Assessora de Projetos e Formação da CESE, esse é um eixo central do trabalho: “A CESE entende que os processos de formação sobre comunicação são fundamentais para a defesa de direitos das organizações de mulheres do Nordeste. O projeto Doar para Transformar articula a incidência política, mobilização de recursos locais e comunicação para fortalecer as práticas e potências das organizações de mulheres de nove estados do Nordeste.” O encontro envolveu a Comunidade de Prática, iniciativa que há cinco anos conecta 25 organizações da região, promovendo trocas e apoiando a construção de estratégias coletivas. Nesse período já foram produzidos materiais como cartilhas, vídeos, podcasts e publicações que reforçam a importância da luta por justiça social e de gênero.


A frase que embalou o início do curso foi direta: “Comunicar é tornar comum.” Logo pela manhã, as participantes revisitaram a trajetória da Comunidade de Prática e compartilharam produções de comunicação levadas de seus territórios. A sala se encheu de cores, cartazes, vídeos e publicações que revelaram a criatividade e a diversidade das lutas das mulheres nordestinas. O diálogo evidenciou desafios que se repetem entre diferentes organizações. “A oficina tem sido muito proveitosa, porque todo o conteúdo é bem atual e serve para a gente estar realmente se conectando com o mundo e umas às outras enquanto rede, enquanto coletivos. O que eu percebo como desafio na comunicação em relação ao movimento como um todo, é essa questão de pensar no todo de fato. Para nós, enquanto movimento social de mulheres cegas, é um desafio também para dar essa visibilidade para a nossa pauta.”, disse Denise Santos, do Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e com Baixa Visão (MBMC). Neste dia, as reflexões também se aprofundaram no entendimento de como o patriarcado, o capitalismo e o racismo estruturam a comunicação no mundo digital e fora dele. Foi um convite a pensar estratégias coletivas para furar bolhas e democratizar o acesso às narrativas produzidas pelas mulheres.
atividades práticas
O segundo dia mergulhou nas práticas. Com as oficinas de rádio e podcast, conduzida por Lara Builtron (SOS Corpo), que resgatou a memória do rádio como ferramenta histórica da luta popular. Foram compartilhados exemplos inspiradores, como o programa de mulheres na Rádio Frei Caneca FM, de Recife. A formação seguiu com a oficina de redes sociais e cuidados digitais, facilitada por Fran Ribeiro (SOS Corpo). O debate trouxe questões que atravessam o dia a dia dos movimentos: o que comunicar, para quem, com que linguagem e, sobretudo, como se proteger diante da lógica da exploração das grandes plataformas? Um dos aprendizados centrais foi sintetizado em uma frase potente: “Não dá pra pensar em comunicação sem cuidar da nossa saúde mental e da nossa proteção.” As participantes criaram coletivamente tecnologias sociais de comunicação a partir de suas narrativas, uma combinação de criatividade com estratégias de segurança digital e autocuidado.
Thais Vital dos Santos, da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, destacou o impacto desse momento: “Os três dias foram maravilhosos, intensos, mas tem um momento que eu gostaria de destacar, que foi as oficinas. Quando a gente pensa aquele momento do rádio e do podcast foi, para mim, um momento de muitos insights, muitas ideias para trazer para o campo da comunicação da Rede Mulheres Negras do Nordeste, como ter um programa de Podcast, por exemplo. Já a segunda oficina, além de ser impressionante, foi extremamente necessária, porque se a gente não conhece a tecnologia, a gente não tem como usá-la ao nosso favor e muito menos enfrentá-la.”


O último dia foi dedicado à memória coletiva e à construção de futuros possíveis. As mulheres refletiram sobre a importância de preservar suas histórias, não apenas como lembranças, mas como sementes que germinam transformações. A partilha foi atravessada por emoções e por uma certeza: quando narram suas próprias trajetórias, as mulheres afirmam existência, identidade e resistência. Edcleide da Rocha Silva, do Movimento de Mulheres Camponesas de Alagoas, resumiu o espírito da oficina: “Estamos aqui reunidas trazendo a pauta da comunicação popular, da acessibilidade e das lutas coletivas. A internet, mesmo sendo esse campo de redes que precisamos estar, ainda não abarca e não acolhe todo mundo. A comunicação vem se reconstruindo a partir das tecnologias sociais do povo, das vozes das mulheres e da luta de classe e de raça.”
Maria Raimunda da Silva Oliveira, do Coletivo Mulheres, Políticas Públicas e Sociedade da Bahia, acrescentou: “O desafio que eu vejo daqui pra frente é a gente voltar para os nossos coletivos e trazer toda essa bagagem, compartilhar com quem ficou, com quem está esperando o resultado disso aí, e a gente aprofundar também com a questão climática e fazer essa interligação”. Já para Leandra Arruda, do coletivo de juventude, Força Tururu de Pernambuco, o encontro foi inspirador: “É importante sempre estar repensando essas novas formas de comunicação, de tecnologia social. A gente fica, às vezes, paralisada, com medo, sem saber o que fazer, mas é importante estar se reinventando e pensar que a internet não é uma terra sem lei. É importante nos fazermos presente nas redes sociais, pensar essa segurança digital, esse cuidado mais fortemente e levar para nossa comunidade como formas de ferramentas, formas de estratégias de guerrilha.”
Ao longo dos três dias, a oficina Mulheres do Nordeste com a Boca no Mundo foi um exercício de poder coletivo, onde cada voz e cada história ganhou força ao ser partilhada. Foram encontros de gerações, territórios e trajetórias diversas, unidas pela certeza de que a comunicação é chave para a defesa de direitos e para a transformação social. Das lembranças do rádio comunitário às estratégias de guerrilha digital, das memórias ancestrais às novas tecnologias, a formação mostrou que comunicar é resistir, mas também é cuidar, proteger e semear futuros.
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Sobre o Doar para Transformar
O Projeto Doar para Transformar é uma iniciativa da CESE com duração de cinco anos (2021–2025), financiada pela agência holandesa Wilde Ganzen, através do Ministério das Relações Exteriores da Holanda. Na organização, o programa fortalece organizações da sociedade civil, especialmente movimentos de mulheres no Nordeste, apoiando sua capacidade de incidência política, comunicação e mobilização de recursos.