A retomada de práticas tradicionais, a força da juventude rural e o enfrentamento aos impactos da crise climática se encontram no projeto Muxirum Jovem, iniciativa apoiada pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e uma das experiências que agora integram a Plataforma Comuá pelo Clima. Lançada na última quarta-feira (22), a plataforma reúne soluções climáticas locais desenvolvidas por comunidades e grupos da sociedade civil em diferentes biomas brasileiros, reconhecendo seus saberes ancestrais como motores de transformação.
O Muxirum Jovem nasceu em Chapada dos Guimarães (MT), com o propósito de resgatar uma prática tradicional das comunidades quilombolas, indígenas e rurais do Mato Grosso: o muxirum, mutirão comunitário que envolve trabalho coletivo, celebração, partilha de alimentos e saberes. A iniciativa reúne jovens de diferentes territórios da Baixada Cuiabana em jornadas de troca e aprendizado sobre agroecologia, antirracismo e preservação da água, temas que se entrelaçam com o enfrentamento à crise climática e à expansão do agronegócio sobre o Cerrado.
“A experiência foi potencializada a partir de um projeto, com orientação da Fase, da CESE e outros parceiros. Nossa primeira jornada aconteceu no assentamento Roseli Nunes. Juventude animada, trabalhadora, agroecológica, querendo aprender. Saber mais para não precisar sair da roça, e só sair se quisesse. Para poder fazer crescer a vida onde a vida tinha os feito crescer”, contou Maria Rita Schmitt, integrante do grupo, durante o lançamento da Plataforma. Ela explica que a missão do Muxirum era simples, mas nem tanto: construir sistemas alimentares baseados em biodiversidade e sabedoria ancestral.
Durante os dias no assentamento, os jovens participaram de oficinas, rodas de conversa e atividades práticas nas roças, como o cultivo de algodão agroecológico e a cobertura do solo para proteção da terra e retenção da umidade. As ações reforçam a resiliência climática e o protagonismo da juventude rural, conectando a preservação ambiental à permanência no campo.
Para isso, alguns princípios se mostraram inegociáveis: não se produz alimentos saudáveis e livres de veneno com relações doentes. “Plantamos a semente da resiliência climática, descobrindo que a diversificação dos cultivos e das pessoas é a nossa arma mais potente frente à destruição do solo e do nosso planeta”, pontua a ativista.
Maria dividiu ainda durante o lançamento da Plataforma, que o Muxirum Jovem finalizou os dias de encontro com a produção de um relatório das atividades que mobilizaram mais de 90 pessoas, que aprenderam sobre juventude agroecológica
“Nosso manifesto, fruto dos encontros, traz: somos contra a concentração de terra, o machismo, a insegurança alimentar, o racismo e o capitalismo. Também fala: Não se produz alimentos saudáveis sem valores, princípios e reforma agrária popular, agroecologia e juventude. É imprescindível o apoio para as experiências dos jovens e outros povos, que mantêm o cerrado em pé e os territórios vivos”, completa.
Cerrado sob ameaça
O trabalho das juventudes do Muxirum acontece em um contexto de ameaça crescente ao território do Cerrado, considerado o segundo maior do Brasil e berço das águas do país. Uma análise recente da série histórica do MapBiomas, divulgada em 1º de outubro, aponta que o Cerrado perdeu 40,5 milhões de hectares de vegetação nativa em 40 anos, o equivalente a 28% de sua cobertura original. Somadas as perdas anteriores a 1985, quase metade do bioma (47,9%) já foi transformada por atividades humanas.
As pastagens, a agropecuária e a silvicultura são as principais responsáveis por essa transformação, ocupando, respectivamente, 24,1%, 13,2% e 1,7% do território em 2024. Embora as pastagens ainda ocupem a maior área, a agricultura foi a atividade que mais avançou nas últimas quatro décadas, com crescimento de 533% e expansão sobre 22,1 milhões de hectares, principalmente para o cultivo de soja e outras lavouras temporárias.
Essa degradação impacta diretamente as comunidades rurais e tradicionais que dependem da terra e da água para viver, e é nesse cenário que experiências como o Muxirum Jovem ganham ainda mais relevância.
“Os desafios que estão postos para quem atua com os direitos humanos é fortalecer esses laços. A partir do conhecimento das diversas realidades, e dos desafios enfrentados pelos povos que vivem nesses territórios de vida, como o Cerrado, que hoje nesse modelo de desenvolvimento infelizmente é considerado como zona de sacrifício. É fundamental seguir na luta, fortalecendo essas iniciativas e construindo um mundo melhor para todo mundo”, comentou Olga Matos, representando a CESE durante o lançamento.
A fala de Olga reflete o compromisso da filantropia independente e comunitária, praticada pela Rede Comuá, de apoiar soluções desenvolvidas nos territórios e garantir que os recursos cheguem diretamente às comunidades. São iniciativas que reafirmam que a sociedade civil tem respostas concretas à crise climática, mas ainda enfrenta desafios para acessar financiamentos e reconhecimento político.
É justamente nesse contexto que nasce a Plataforma Comuá pelo Clima, como um espaço construído para reunir dados e histórias sobre os mecanismos de apoio financeiro que as organizações-membro da Rede fornecem a grupos que implementam Soluções Climáticas Locais em seus territórios. Dessa forma, busca cumprir seus objetivos de iluminar soluções climática locais promovidas por grupos e comunidades politicamente minorizados em seus territórios; e incentivar a filantropia a reconhecer a força desses mecanismos de apoio e se somar aos esforços para fazer mais recursos chegarem a quem protege os biomas brasileiros.
Para acessar a plataforma, basta clicar aqui.