Memória, verdade e justiça foram algumas das palavras que ecoaram na Catedral da Sé, em São Paulo (SP), no último sábado (25). Nos marcos dos 50 anos da morte de Vladimir Herzog, centenas de pessoas se reuniram em um ato inter-religioso para homenagear o legado do jornalista e em memória das outras milhares de vítimas da Ditadura Militar. Organizado pela Comissão Arns e pelo Instituto Vladimir Herzog (IVH), o evento rememorou a cerimônia realizada em outubro de 1975, logo após o assassinato de “Vlado”, que se tornou um símbolo da luta pela redemocratização do Brasil.
A atividade contou com a presença de diversas autoridades, artistas, familiares, representantes políticos e lideranças religiosas. Dentre elas, estava Anita Sue Wright Torres, presbítera da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e atual presidenta da CESE. Para Anita, a cerimônia simboliza a atualidade da luta contra a Ditadura e às violações de direitos, as quais, ressalta, não cessaram com o fim do regime. “A defesa dos direitos humanos é diária, e cabe a cada um de nós estar alerta e disposto a denunciar quando estes direitos não são respeitados, seja pelo viés do racismo estrutural, ataque à comunidade LGBTQIAPN+, desrespeito à mulher e seu protagonismo, desrespeito às comunidades quilombolas e indígenas, entre outros.
Legado de fé e de luta

Anita Wright é filha caçula do reverendo Jaime Wright, missionário da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América e um expoente do movimento ecumênico no Brasil. Ele é um dos fundadores da CESE — criada em 1973, em plena Ditadura — e, ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns e do rabino Henry Sobel, também organizou a histórica cerimônia de 1975. Cinquenta anos depois, a presbítera destaca que voltar à mesma Catedral, agora como presidenta da CESE, para um ato com tantos simbolismos desperta muitas reflexões e sentimentos.
“Como filha, muita honra de poder representar meu pai neste Ato histórico, pois sei da importância que teve sua participação como o único pastor protestante (presbiteriano). Como filha e mulher de fé, dar legitimidade ao nosso protagonismo neste processo, pois foram as mulheres (mães, esposas e filhas) que choraram a morte de tantos mortos pela ditadura, que mantiveram suas famílias unidas, que denunciaram e foram atrás de respostas e justiça”, salienta.
Num cenário em que a democracia brasileira ainda se mostra vulnerável a tentativas de golpe de Estado, Anita ressalta que as igrejas ecumênicas têm um papel fundamental de serem, ao mesmo tempo, vozes que denunciam injustiças e anunciam novos caminhos. Para a presidenta, a CESE também contribui diretamente com esta missão.
“A CESE ajuda neste processo ao transformar em ações visíveis, através dos projetos por ela patrocinados, a diaconia que suas igrejas-membro muitas vezes não conseguem fazer, em lugares que não conseguem chegar”.
A presidenta finaliza tecendo votos para que a entidade siga firme atuando junto aos grupos mais vulnerabilizados e na luta por um mundo mais justo.
“Que a CESE continue seu trabalho, junto com suas igrejas-membro, sendo voz profética e instrumento de mudança de realidade dos grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade, que sofrem violação de seus direitos, sendo facilitadora do seu protagonismo em direção a uma vida de qualidade, em busca do Bem Viver.”
Confira a entrevista na íntegra:
1. Em 2025, ao se comemorar os 50 anos do assassinato do Vladimir Herzog, muitas homenagens destacam não somente o passado, mas o alerta para o presente: memória + vigilância (abordadas sempre pelo Instituto Vladimir Herzog). Como transformar essa memória em ação concreta para impedir que violações de direitos humanos voltem a se naturalizar?
O Ato Ecumênico em memória aos 50 anos do assassinato de Herzog é uma ação concreta para dizer: Não esquecemos, não vamos esquecer: Ditadura Nunca Mais!
O fim da ditadura não cessou automaticamente as violações dos Direitos Humanos, pois os presídios comuns do país estavam cheios de pessoas que sofriam diariamente violações de seus direitos, em sua grande maioria negros.
A defesa dos Direitos Humanos é diária, e cabe a cada um de nós estar alerta e disposto a denunciar quando estes Direitos não são respeitados, seja pelo viés do racismo estrutural, ataque à comunidade LGBTQIA+, desrespeito à mulher e seu protagonismo, desrespeito às comunidades quilombolas e indígenas, entre outros
2. Em outubro de 1975, após o assassinato de Vladimir Herzog, seu pai, o reverendo Jaime Wright, ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns e do rabino Henry Sobel, organizaram o ato ecumênico na Catedral da Sé (SP)— um gesto de enorme coragem que reuniu milhares de pessoas e se tornou um marco na luta pela redemocratização do Brasil. Agora, 50 anos depois, a senhora retorna a esse mesmo espaço, como presidenta da CESE e filha de um dos protagonistas daquele momento histórico. Que sentimentos e reflexões esse reencontro desperta em você — tanto como filha, quanto como mulher de fé e defensora dos direitos humanos?
Como filha, muita honra de poder representar meu pai neste Ato histórico, pois sei da importância que teve sua participação como o único pastor protestante (presbiteriano). Como filha e mulher de fé, dar legitimidade ao nosso protagonismo neste processo, pois foram as mulheres (mães, esposas e filhas) que choraram a morte de tantos mortos pela ditadura, que mantiveram suas famílias unidas, que denunciaram e foram atrás de respostas e justiça. Ser defensora dos Direitos Humanos foi continuar o aprendizado e legado de meu pai. Aprendi que o respeito e o diálogo são imprescindíveis na caminhada ecumênica.
3. A senhora falou em entrevista concedida à CESE quando tornou-se presidenta que os grupos “fundamentalistas e ultraconservadores” nas igrejas hoje são motivo de preocupação. Em um cenário em que se fala cada vez mais em “golpe” ou “tentativa de ruptura democrática”, qual o papel das igrejas ecumênicas e da CESE para defender a democracia e os direitos humanos no Brasil hoje?
Estas igrejas “fundamentalistas e conservadoras” são as que estão apoiando todo o movimento golpista do Estado de Direito Democrático do Brasil, doutrinando as pessoas com uma teologia rasa, além de produzirem Fake News com intuito de desestabilizar as instituições governamentais e a democracia do Brasil.
As igrejas ecumênicas, que são membros da CESE, têm o papel fundamental de serem vozes proféticas no anúncio da Boa Nova do Evangelho, no seguimento dos passos de Jesus de Nazaré, e, como ele fez em seu tempo, denunciar o que está errado. A CESE ajuda neste processo ao transformar em ações visíveis, através dos projetos por ela patrocinados, a diaconia que suas igrejas-membro muitas vezes não conseguem fazer, em lugares que não conseguem chegar. As Missões Ecumênicas, os Tapiris, são exemplos concretos de ação conjunta/ecumênica.
4. A senhora já acompanhava a CESE há vários anos, participando de missões ecumênicas e outras iniciativas voltadas à defesa dos direitos humanos. E agora, como presidenta da organização, como tem percebido o papel da CESE — e das igrejas parceiras — na proteção de grupos em situação de vulnerabilidade e na resistência às violações de direitos que ainda persistem no país?
As Missões Ecumênicas, as visitas a Projetos durantes nossas Assembleias, escolhidas com muito cuidado e carinho por nossa equipe da CESE, e que contam com a participação de representantes/lideranças de nossas igrejas-membro, são muito importantes. Dizemos a quem visitamos: “Estamos aqui para te ouvir, ser solidário, e te ajudar no que for possível.”
E quantas vezes saímos da Missão Ecumênica ou visita a Projetos ou Instituições apoiadas pela CESE renovados na Esperança, Fé, Resiliência, Solidariedade, Ecumenicidade!
Que a CESE continue seu trabalho, junto com suas igrejas membro, sendo voz profética e instrumento de mudança de realidade dos grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade, que sofrem violação de seus direitos, sendo facilitadora do seu protagonismo em direção a uma vida de qualidade, em busca do Bem Viver.